Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP
28/08/2025
(Foto: Reprodução) Justiça de SP torna réu PM que matou marceneiro
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias Santos Ferreira com um tiro na cabeça em Paralheiros, na Zona Sul, permitindo que ele responda ao processo em liberdade. O crime ocorreu em 4 de julho.
O policial teve a prisão preventiva decretada no último dia 15, após a Justiça aceitar a denúncia do Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Ele é réu no processo e responde à acusação de homicídio doloso qualificado e tentativa de homicídio. O PM estava preso desde o dia 16. Desde 7 de julho, ele está afastado do serviço operacional.
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Segundo a acusação, Fábio Anderson atirou três vezes pelas costas da vítima, que não teve condições de se defender, e ainda feriu por acidente uma mulher que passava pelo local.
O policial foi preso em flagrante em 4 de julho, acusado de matar Guilherme com um disparo de arma de fogo. Inicialmente, o delegado entendeu que se tratava de homicídio culposo e arbitrou fiança de R$ 6,5 mil, que foi paga, permitindo a soltura do suspeito.
No dia 14 de agosto, o MP apresentou denúncia contra o PM, pediu que ele fosse julgado pelo Tribunal do Júri e solicitou a prisão preventiva do acusado. A Justiça acatou o pedido mais de 40 dias após a soltura.
A decisão judicial desta quarta concedeu a liberdade provisória ao réu, aplicando, no entanto, diversas medidas cautelares alternativas ao cárcere.
Mesmo em liberdade, o PM deverá cumprir medidas como:
Comparecimento mensal em juízo para informar suas atividades;
Proibição de frequentar bares ou locais que comercializem bebidas alcoólicas;
Proibição de manter contato com testemunhas do processo;
Recolhimento domiciliar no período noturno (das 22h às 6h) e em dias de folga.
Na decisão, o desembargador Marco De Lorenzi, relator do habeas corpus na 14ª Câmara de Direito Criminal, destacou que o réu é primário, tem bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita, além de não ter descumprido as condições da liberdade provisória anterior.
Segundo ele, não houve fatos novos que justificassem a prisão preventiva.
“O paciente, per se, não representa risco à sociedade, pois não se dedica à atividade criminosa, sendo este caso, como já dito, isolado em sua vida”, escreveu o magistrado na decisão.
O acusado também terá que assinar um termo de compromisso e comparecer a todos os atos processuais, sob risco de voltar à prisão caso descumpra as determinações.
A decisão é válida até o julgamento do processo pela 2ª Vara do Júri da capital.
Denúncia do MP
Segundo a juíza Paula Marie Konno, que assina a decisão da primeira instância e o mandado de prisão, a conduta do PM é "inaceitável", que colocou em risco a vida de outras pessoas em via pública e que o delito causa "clamor público", exigindo resposta "rápida e eficaz das autoridades".
“O denunciado praticou crime gravíssimo, de natureza hedionda — homicídio qualificado consumado, com emprego de arma de fogo. Matou, pelas costas, um trabalhador que corria para pegar um ônibus, simplesmente por acreditar que ele poderia ser um roubador."
Guilherme e a irmã Natália em festa de aniversário no dia 28 de junho.
Arquivo pessoal
“Trata-se de um policial militar que, demonstrando total descompasso com sua honrada função pública, matou, pelas costas, um trabalhador desarmado e indefeso. O alto grau de periculosidade, evidenciado pelo modus operandi, impõe sua segregação cautelar para garantir a ordem pública e restabelecer a credibilidade das instituições”, escreveu a juíza.
Segundo a acusação, o crime foi praticado por motivo torpe, já que o policial teria disparado contra Guilherme “por um sentimento de vingança, por desconfiar que ele poderia ser um dos autores do roubo que havia sofrido momentos antes”.
A prisão preventiva foi solicitada porque, segundo o promotor, a liberdade do acusado representava risco às testemunhas e pode dificultar a coleta de provas.
O crime
O PM estava de folga quando pilotava uma motocicleta pela Estrada Ecoturística de Parelheiros quando foi abordado por suspeitos que tentaram roubar sua moto. O agente alegou que teria confundido Guilherme com um assaltante, reagiu e atirou nele.
O marceneiro, que saía do trabalho e corria para pegar o ônibus de volta para casa, foi assassinado com um tiro na cabeça disparado por Fábio.
Segundo o boletim de ocorrência, foram encontrados com a vítima carteira, celular, remédios, livro, marmita, talheres e itens de higiene. Não havia nenhuma arma de fogo.
Foram encontrados com a vítima carteira, celular, remédios, livro, marmita, talheres e itens de higiene.
Reprodução
Quem foi Guilherme Dias
Conhecido entre colegas e familiares pelo comprometimento com o serviço e pela dedicação à família, o jovem atuava como marceneiro em uma fábrica de móveis há quase três anos.
Ao g1, Roberto Souza, tio de Guilherme, ressaltou que a família era muito unida e que se reunia frequentemente em momentos de fé e lazer.
"Nossa relação é muito próxima. Todo feriado que tem, a gente reunia a família com o Guilherme, a gente dava risada, a gente fazia churrasco. A gente cantava hinos, louvores, falava da palavra [de Deus], fazia jogos bíblicos, assim que era a nossa vida. Era não, ainda é porque tem que continuar. Mas com um vazio", disse.
Segundo ele, o sobrinho estava ajudando a programar o aniversário de 70 anos da avó. "A gente não sabe como que vai ser sem ele. Ela está muito abalada, já é o segundo neto que ela perde. O meu irmão perdeu um nenê recém-nascido recentemente. E agora é o Guilherme."
Guilherme e Larissa eram primos e cresceram no mesmo quintal, em Parelheiros, SP
Arquivo pessoal
No velório, amigos da igreja cantaram e homenagearam o marceneiro. "É só ver quantas pessoas estiveram. Ele era muito querido pela comunidade. É só olhar as imagens do velório."
Guilherme estava no segundo dia de trabalho após retornar das férias. Segundo relatos de sua família, ele costumava seguir sempre a mesma rotina: do trabalho para casa, da casa para a igreja, e da igreja para o trabalho.
"Nunca se envolveu com nada, era do serviço para casa, da casa para a igreja. Era sempre assim", contou à TV Globo Sthephanie dos Santos Ferreira Dias, viúva de Guilherme.
Na noite do crime, o marceneiro havia acabado de bater o ponto e avisou a esposa que estava indo embora. Ele mesmo publicou no status do WhatsApp uma foto do relógio de ponto à saída do trabalho.
A morte de Guilherme causou revolta e tristeza entre familiares e amigos. Sthephanie atribuiu a reação do policial ao racismo estrutural presente no caso.
"Só porque é um jovem negro, preto e estava correndo para pegar o ônibus, [ele] atirou. O que é isso? Que mundo é esse? Era o único jovem preto que estava no meio [do ponto] e foi atingido. A gente quer esse policial na cadeia, ele tem que pagar. Está solto, pagou a fiança que, para ele, não é nada."
Guilherme e Sthephanie completariam dois anos de casados em agosto. Eles tinham o sonho de ter filhos e planejavam viajar para comemorar a data.
"O sonho dele era ser pai. A gente estava fazendo tratamento para poder gerar um filho", contou a mulher.
"Ele estava pagando o carro dele, tirando a carteira de motorista e ia começar as aulas práticas. Também estava pretendendo conseguir um emprego melhor para sair mais cedo e receber melhor."
Na mochila, Guilherme carregava apenas um livro, marmita, talheres e a roupa de trabalho. Pouco antes do crime, ele avisou a esposa que já estava indo embora.
"Deu 22h e eu dormi, e do nada acordei às 2h. Olhei meu WhatsApp e tinha mensagem dele: 'Estou indo embora'. Às 22h38. [Eram] duas e meia da manhã e ele não tinha chegado. Ele nunca foi de chegar tarde em casa, sempre chegou no horário. Se ocorresse alguma coisa, ele me avisava", disse.
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